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Cancelamento das eleições por Dr. Targino Neto

Osvaldo Cruz
9 Min Leitura

Triste e perigosíssimo momento histórico está a viver a nação brasileira, que se vê em meio aos crescentes casos de infecção pelo COVID-19 nos últimos dias, já havendo registro de várias mortes. De antemão, é importantíssimo registrar que as recomendações das autoridades sanitárias e de saúde devem ser seguidas à risca por todos, sob pena de se permitir que as consequências já vistas em países como Itália e China sejam ainda mais severas no Brasil, mormente diante da menor capacidade instalada de leitos hospitalares apropriados para o tratamento da doença que é desenvolvida após infecção.

Todavia, o objetivo deste artigo não é levar ao seu leitor informações técnicas e atualizadas sobre a triste proliferação das infecções no nosso país, mesmo porque este articulista não possui formação, quiçá conhecimento técnico para tratar de tema tão delicado e importante para o país. Destarte, recomenda-se que tais informações sejam buscadas em publicações de técnicos, inclusive nos canais de comunicação oficial dos Ministério e Secretarias de saúde.

Este artigo se dedica a tratar dos reflexos da pandemia no processo eleitoral deste ano. Processo eleitoral é a expressão dada à fase organizativa que antecede uma eleição, como atos posteriores imprescindíveis a garantia do seu resultado, como a diplomação dos eleitos.

Não há dúvidas de que a declaração de pandemia da OMS e sua chegada no Brasil já trouxeram diversos reflexos ao processo eleitoral deste ano. O Tribunal Superior Eleitoral, mediante a Resolução de n. 23615, determinou início de regime de plantão extraordinário, inicialmente previsto até o dia 30 de abril, de modo a uniformizar o funcionamento da Justiça Eleitoral no país e prevenir o contágio ao citado vírus.

O início do regime de plantão limitou o funcionamento dos órgãos da Justiça Eleitoral, suspendendo a realização de diversas atividades, sobretudo os atendimentos presenciais aos eleitores, mantendo apenas algumas atividades listadas como essenciais. O acesso às dependências das Zonas eleitorais e dos TREs está suspenso e, em havendo necessidade, deve ser fundamentado para que seja feito uma espécie de triagem para verificar se o cidadão não está inserido em grupo de risco/suspeito.

Até os advogados estão impedidos de acessar as dependências da Justiça Eleitoral, devendo buscar meios alternativos e remotos a viabilizar sua atuação profissional, mediante ferramentas tecnológicas disponíveis. Os servidores também estão, na sua grande maioria, realizando suas atividades na modalidade de home office – teletrabalho.

É sabido que 03 prazos importantíssimos ao processo eleitoral estão na iminência do seu fim, quais sejam: o de filiação partidária e do estabelecimento de domicílio eleitoral, ambos devem estar cumpridos com 06 meses antes da data das eleições, o que para este profissional se dará em 03/04/2020, além disso, outro importante prazo é o da regularização do título daquele eleitor que esteja em situação de irregularidade, a exemplo daqueles que ainda não realizaram o cadastro biométrico, necessário ao exercício do voto.

Quanto ao prazo de filiação partidária, não se espera prejuízo aos pré-candidatos, isto porque o ato de filiação é entabulado entre partido político e eleitor, não necessitando do funcionamento da Justiça Eleitoral para isso, mesmo porque o envio das listas de filiados é realizado pelas agremiações mediante sistema eletrônico próprio.

Já quanto à fixação de domicílio eleitoral, que também finda no próximo dia 03/04/2020, e é imprescindível para que um pré-candidato exerça o direito de ser votado num determinado município, o regime de plantão estabelecido até o dia 30 de abril trará grande consequência, isto porque não será mais possível ao eleitor de um município alterar seu domicílio eleitoral para ser votado noutra localidade. De modo que, aqueles que ainda pretendiam se candidatar em município diverso não poderão mais fazer tal mudança, salvo se buscarem algum instrumento judicial na tentativa de viabilizar tal direito.

Em relação ao terceiro prazo citado, o da regularização do cadastro eleitoral de quem esteja em situação irregular, com limite fixado para 06/05/2020, em que pese o regime de plantão determinado pelo TSE tenha sido prefixado até 30/04/2020, acredita este humilde operador do direito que também restará prejudicada tal providência por crer que o regime de plantão será postergado. Contudo, na hipótese da não prorrogação do plantão, considerando que entre os dias 30/04/2020 e o prazo final (06/05/2020), só haverão 03 dias úteis, será impossível que todos os eleitores interessados regularizem seus títulos. Assim, os cidadãos que não tenham até o dia 19/03/2020 providenciado as regularizações ficarão impedidos de votar neste ano.

Prova disso é que a citada Resolução do TSE no seu Art. 2o, parágrafo 4o, previu que “não serão coletados dados biométricos durante o Plantão Judiciário”.

Assim, evidente que a pandemia já produziu diversos reflexos no processo eleitoral e nas eleições deste ano, contudo, é por demais prematuro afirmar que as eleições serão adiadas, mormente porque não se sabe realmente quais serão os impactos causados por toda esta crise na sociedade brasileira, como também porque não é providência que esteja deliberadamente ao arbítrio e escolha da Justiça Eleitoral.

Não se pode deixar de destacar a já existência de requerimentos formulados por autoridades e representantes de partidos políticos pleiteando ao TSE o adiamento das eleições, ocasião em que o TSE, através de sua atual Presidente, a Ministra Rosa Weber, afirmou ser impossível alterar o calendário eleitoral, inclusive a data limite para filiação partidária, de igual modo a data das eleições, haja vista que tais matérias não são deliberadamente escolhidas pelo TSE, mas sim decorrem de texto expresso de lei federal, que só pode ser alterado pelo Poder Legislativo, ou seja, o Congresso Nacional.

Quanto ao Congresso Nacional, já circulam na internet minutas de Propostas de Emenda Constitucional (PEC) com vistas a adiar as eleições, unificando o pleito municipal deste ano às eleições de 2022, o que fatalmente prorrogaria os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores, numa espécie de mandato “tampão”. Porém, relembrando o mencionado acima, tudo ainda é por demais prematuro, pois para que esta PEC seja aprovada seria necessário amplo apoio e já há grande resistência de boa parte dos parlamentares acerca da questão do mandato tampão.

Até então, só se tem uma verdade: que os prazos do calendário eleitoral estão mantidos, sobretudo a data do pleito para o primeiro domingo de outubro de 2020. Em futuro bem próximo, em que pese a ordem de isolamento físico social determinado pelos entes estatais, aparentemente e razoavelmente cumprida nos maiores centros urbanos, haverá grande movimentação entre os integrantes do Congresso, da cúpula do Justiça Eleitoral, bem como dos representantes do Poder Executivo, ao menos nos ‘corredores’ e ‘gabinetes’ do aplicativo Whatsapp.

Por tudo isto, ao ponderar que nos próximos dias o número de casos infectados no Brasil só tende a aumentar, infelizmente, o que agravará a severa crise instalada no país, este advogado crê no adiamento do pleito municipal, ao menos, para o mês de dezembro, de modo a evitar prejuízos ainda maiores à dinâmica do processo eleitoral já iniciado, bem como ao regime democrático instituído no Brasil, que estaria violado ao impedir eleitores de regularizarem seus cadastros eleitorais e, desse modo, de exercerem sua cidadania ativa.

Targino Neto.
OAB – Ba 26.199

Advogado pós-graduado em Direito Público e Direito Processual Civil, pós-graduando em Direito Digital, especializado em Direito Eleitoral. Membro da Comissão de Direito Digital da OAB–Ba.

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