O deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), 66, ouve, há décadas, de colegas economistas que é preciso fazer uma reforma tributária profunda no Brasil. Para ele, o assunto deveria ter sido melhor tratado desde, pelo menos, a Reforma Constituinte de 1988, na qual foi suplente. O problema é que mexer na arrecadação é mexer diretamente com o dinheiro que os governantes têm à disposição para tocar os projetos prometidos nas campanhas. E ninguém quer, obviamente, ter menos que o seu antecessor ou que o vizinho. Somam-se às dificuldades os interesses de diversos setores privados e trabalhadores – que querem pagar menos. Eis o motivo que, entra governo, sai governo, o assunto vai sendo adiado.
Mas Hauly acredita que a crise fiscal pela qual passa o país trouxe finalmente o momento adequado -até mesmo o governo diz que pretende abordar o assunto. O deputado é relator na Comissão Especial para reforma tributária na Câmara e quer apresentar uma primeira versão do texto já neste mês. A ideia para conseguir apoio necessário é organizar a base do sistema sem fazer ninguém sair perdendo, e copiar modelos que já deram certo em outros países. Aposta também na experiência como ex-secretário da Fazenda do Paraná e em 26 anos de mandato como deputado federal para aparar as arestas. Eis sua entrevista:
A alta carga tributária no Brasil é alvo constantes reclamações. Já que vai se propor um modelo novo, não é possível reduzi-la? Vamos ser bem pragmáticos e claros: não tem como reduzir carga tributária no Brasil, que nos últimos está numa média de 35%, porque o gasto público é maior que este patamar. O que nós queremos, com a PEC do Teto, é que ele diminua e se enquadre nos limites defendidos pelo ministro [da Fazenda, Henrique] Meirelles. Isso diminuiria a despesa pública para União, estados e municípios. Só que, se não tiver crescimento econômico, essa situação vai piorar. Porque quando a economia está crescendo, a arrecadação aumenta num ritmo acima da economia. Quando a arrecadação decresce, como aconteceu nos últimos 3 ou 4 anos, a arrecadação cai mais.
Dá para eliminar tributos, então? Existe um levantamento do IBPT que menciona 63 obrigações, entre federais, estaduais e municipais, que são impostas aos brasileiros. Grande parte dessa parafernália de 63 impostos são os parafiscais, que é 1% da arrecadação nacional. Não tem nenhum sentido mexer nisso. Quase 99% da receita estão em imposto sobre propriedade, renda, consumo e Previdência. Eu não posso dizer que eu vou eliminar, porque, de repente, é alguma prestação de serviço, para alguma determinada atividade. É como a Cide, que eu estou com medo de extinguir, que é regulatória, mas acaba sendo arrecadatória. Nosso projeto vai acabar com nove tributos: CSLL, ISS, ICMS, IPI, PIS/Pasep, Cofins, Salário Educação. Talvez a Cide seja um décimo tributo que pode ser eliminado.
O senhor fala em extinguir o IOF, que taxa o setor financeiro e voltar com a CPMF, que incide sobre toda movimentação. Isso não seria tributar os mais pobres? Não. Não tem precedente no mundo um tributo sobre operação financeira, cheque especial, cartão de crédito, empréstimo, remessas. Essa é uma excrescência do ponto de vista tributário.
No que toca a população mais pobre, estou disposto, na minha proposta, a desonerar comida, remédio, máquinas e equipamentos, a zero. E realocar essa carga para outros setores, da base de consumo, da base de circulação financeira.
Por que não tributar as operações do sistema financeiro? Porque não tem precedente onerar [o sistema financeiro]. Ao longo desses 30 anos o Brasil onerou os empréstimos. Quanto mais você onera, mais gravames têm na formação de preço relativo. Vai para o preço do produto, mercadorias e serviço. O Brasil tem uma cunha fiscal de 20 e poucos por cento. Quando o governo perdeu a CPMF, ele aumentou o IOF, aumentou PIS e Cofins, aumento real, bem acima da inflação. Perdeu 38 bilhões de reais de CPMF e ganhou 74 bilhões de reais, por causa do poder discricionário, de aumentar sem decreto. O governo nunca sai perdendo.
Qual exatamente o propósito do projeto que o senhor vai propor como relator da comissão da reforma tributária na Câmara? O que se pretende fazer é uma reforma completa nos moldes do que existe na União Europeia. O sistema brasileiro é um verdadeiro manicômio. Tributa mais os mais pobres e menos os mais ricos. É extremamente complexo, oneroso e vai contra a economia e os trabalhadores. Ficou uma coisa tão louca que isentaram o veículo pra deficiente, mas negaram isenção para medicamento de câncer. Reforma fatiada, arranjo, remendo, não servem para nada.
O nosso desenho é fazer primeiro uma reforma da arquitetura constitucional. Isso leva alguns meses, espero que não demore mais que até o meio do ano. E, no segundo semestre, discutiríamos as leis complementares: um novo formato para o IR, a Cofins, e dos novos itens como, o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), e os impostos seletivos.
Qual o problema mais grave do sistema atual? Quando a União perdeu uma boa parte da receita para estados e municípios na guerra de partilha de recursos que aconteceu durante Constituinte de 1988, ela se fragilizou e tornou o sistema pior. Para compensar, criou a CSLL, pegou o antigo Finsocial, e transformou num monstro, que é a Cofins e o PIS, que era uma contribuiçãozinha e virou um monstro também.
Além disso, ao longo dos anos, como o poder foi mantido com os estados e municípios sobre o ICMS e o ISS, começou a haver uma guerra predatória entre os estados para a absorção de investimentos. Isso acabou de destruir a economia brasileira.
E como acabar com esse descompasso na distribuição dos recursos? Os estados vão ser donos de um novo órgão que agregará todos os Fiscos estaduais. Eles terão um IVA, que é um imposto sobre bens e serviços, com cobrança no destino, como é em qualquer lugar do mundo. Acaba com a guerra fiscal da noite por dia. E também haverá impostos seletivos sobre determinados produtos. Aproveitam-se as atuais estruturas de cobrança, e os atuais auditores do ISS dos estados e dos municípios.
A União teria o seu Fisco, com um único imposto sobre a renda, não mais dois (IR e CSLL).
Como seria a arrecadação desses novos impostos, vai unificar tantos tributos e tantos estados? Seria mais ou menos como nos Estados Unidos: na hora que comprou, se é no cartão de crédito – em parcelas ou à vista – já separa o dinheiro do tributo. O imposto seletivo não deve atingir mais de que 2.000 empresas, porque só incide sobre 12 itens. O IVA é abrangente: vai englobar o ISS e a base da indústria e do comércio. E também da agricultura, minerais, toda a cadeia que é base do ICMS, IPI, ISS, PIS/Pasep, Cofins, que foi invadida. O que deve existir é um imposto só sobre o consumo, além do seletivo, e o Brasil ficou perdido no tempo com essa bobagem de guerra fiscal.
Mexer na arrecadação, especialmente na estadual, é uma briga constante. Isso não vai gerar enorme resistência? A minha proposta é transformar tudo num bolo de 100%. A União, estados e municípios teriam um percentual desse bolo de acordo com o que arrecadaram de receita líquida disponível no ano anterior – ou na média de 2 anos, como quiserem. Vamos garantir que eles terão consagradas as suas arrecadações médias dos últimos anos, no mesmo tamanho do PIB. Aos empresários, garantiremos que não haverá crescimento de carga tributária, de que eles terão um sistema de imposição mais barato, mais enxuto, como eu fiz no Supersimples: oito tributos em um.
A receita da União, estados e municípios, é uma mina de ouro. Já tiraram todo o ouro, só sobrou o cascalho, que as empresas estão todas combalidas. Agora estão revolvendo o cascalho pra ver se tem alguma pepita. Não tem mais como tirar ouro desta mina chamada setor produtivo nacional.
O senhor propõe uma mudança estrutural completa, mas o que acontece com as pendências antigas, como dívidas e vícios relacionados ao modelo antigo? Haveria renegociação? Vamos convalidar tudo e começar uma vida nova. O Brasil fez o que fez porque precisava fazer. Precisamos de um Refis generoso, abrangente. Não por benesse, por necessidade de dar fôlego às empresas. Metade delas e 60 milhões de brasileiros estão inadimplentes. Alguns com tributos e outros com bancos e demais fornecedores. O Refis que o governo fez não ajuda a economia, mantém o caos. Você acha que algum empresário que não está vendendo, que não está produzindo, que está endividado no Fisco, vai pagar o Fisco? Ele não vai ao banco para pegar dinheiro para pagar uma parcela do Fisco. Primeiro ele paga salário, depois fornecedores, para continuar funcionando, em terceiro lugar, vai negociar com os bancos, e por último, o Fisco. Mesmo com um Refis generoso da União, ele vai ter Estado, municípios e os bancos.
O ministro da Fazenda tem dito que a diferença do ajuste fiscal que o governo faz em relação aos anteriores é que este de agora ataca as despesas, em vez das receitas. Propor reforma tributária não vai contra a estratégia do Planalto? Se você falar com os secretários dos municípios, estados, União, todos eles acham que estão no potencial máximo da arrecadação. Mas não adianta aumentar a alíquota que a receita não cresce, isso é uma lei econômica – isso é demonstrado pela curva de Laffer. O ministro da Fazenda quer diminuir a despesa, ele está correto, tem que fazer mais ainda, tem que repensar o estado brasileiro. Tem que decidir, o que vamos fazer para saúde, educação, segurança. O estado não cabe no bolso. É culpa de uma estrutura que vem de décadas. A Constituinte agravou esse problema porque encheu de benefícios e colocou uns poucos direitos.
O governo já encaminhou reformas, como a da Previdência e a trabalhista, em vez de esperar iniciativa do Congresso. O ministro da Casa Civil, José Padilha, disse que o Planalto vai mandar uma proposta de reforma tributária até, no máximo, abril. Não haverá choque? O Planalto vai mandar, o ministro disse que vai mandar. Ótimo, porque nós já temos uma proposta, será mais uma, será bem-vinda. É importante que o governo disse “eu quero a reforma tributária”. Quando ele mandar, eu vou soltar fogos. Eu tenho certeza absoluta que, fora essa ideia de consertar PIS e Cofins, qualquer reforma que ele mandar vai ser 90% igual ao nosso projeto. Todas as propostas dos últimos 30 anos são parecidas com a minha, eu não inventei nada.
O momento político é complicado, há várias reformas em curso e já se tentou fazer a reforma tributária inúmeras vezes. Por que isso seria factível agora? Porque os astros estão conjugados. Essa degringolada fiscal dos estados, municípios, e União ajuda. O Congresso precisa de uma bandeira, as empresas precisam de uma nova imposição tributária nacional, e os trabalhadores, de serem um pouco desonerados. Eu sou um otimista: a bancada do meu partido (PSDB)adorou, tem pessoas próximas do Temer convergentes conosco. E temos também respostas positivas de auditores municipais e os do estado de SP, do Instituto Atlântico, da Confederação Nacional dos Serviços. Nós vamos angariando adeptos. A própria comissão nos apoia, o PT, outros membros do PMDB. O próprio Hildo Rocha, que é presidente da comissão, está entusiasmadíssimo. A segurança que eu dou é que não estou falando nada mais do que é feito lá fora.
O senhor diz que um sistema tributário mais organizado trará benefícios. Qual o benefício que isso pode trazer para a economia do Brasil? Se fizer a reforma tributária na Constituição, aprovar as quatro leis complementares e entrar em vigor em 2018, o Brasil passa a crescer mais de 7% já no ano que vem. Até por conta de tudo o que foi perdido por causa da crise. E com esse modelo tributário, o país nunca mais vai crescer menos de 5% ao ano.
Se deixar do jeito que tá, só com esses projetos de teto de gastos, reforma trabalhista, e Previdenciária, não se conserta. Vai crescer, 1%, 2%, e depois volta ao ‘voo da galinha’.