Em um documento de 10 páginas, no qual responde a questionamentos feitos pela bancada do PSOL na Câmara, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reafirmou que o presidente Michel Temer seria o destinatário da mala de R$ 500 mil entregue ao ex-deputado Rodrigo Rocha Loures – uma das bases da denúncia feita contra o presidente que está em análise na Câmara. O procurador-geral disse, também, que a gravação da conversa no Palácio do Jaburu foi feita por Joesley Batista, da JBS, de forma espontânea, e não como uma ação controlada ou orientada por investigadores, rebatendo a um dos argumentos apresentados pela defesa do presidente.
No primeiro tópico do documento, que era sobre o encadeamento de fatos que levaram a PGR a afirmar que os R$ 500 mil se destinariam ao presidente, Janot disse que há “riqueza de detalhes” na denúncia sobre esse tema e destacou cinco pontos.O primeiro deles foi a reunião entre Temer e Joesley no dia 7 de março no Jaburu, agendada por Loures na véspera.
“Na conversa entre Rodrigo Loures e Joesley Batista, o então deputado federal deixa claro que Michel Temer orientou que a reunião se desse no horário noturno”, diz Janot, destacando aspas de Loures em seguida: “Ele prefere te atender à noite no Jaburu, mais tarde, sei lá, a partir das 10 da noite, 11 horas”.
O procurador disse que Loures “também participaria do encontro às escondidas no Jaburu, mas em razão de um impresvisto não pode comparecer”.
O segundo ponto apresentado por Janot é que, no encontro do Jaburu, Joesley e Temer conversam “acerca de vários fatos ilícitos”.
“Nesse contexto, Joesley indaga de maneira bastante objetiva sobre quem seria o interlocutor entre ele e o presidente Temer, ao que este responde ‘Rodrigo (…) acrescentando que ‘pode passar por meio dele, viu? (…) da minha mais estrita confiança”, diz Janot.
No terceiro ponto, Janot diz que “após a indicação por Temer de Rodrigo Loures como seu interlocutor, Joesley Batista passa a tratar com o então deputado federal a respeito de benefícios a serem obtidos pela J&F junto ao Governo Federal. Também são negociados os valores a serem pagos por Joesley como contrapartida da vantagem indevida”.
O quarto ponto, diz Janot, é que “o contexto das conversas gravadas deixa claro que Rodrigo Loures não estava agindo em nome próprio”. O procurador-geral cita diálogos entre Loures e Ricardo Saud, executivo da JBS, em que o então deputado “faz menção à impossibilidade de recebimento dos valores pelos ‘canais tradicionais’, que seriam José Yunes e ‘Coronel Lima’, ambos notoriamente vinculados a Michel Temer.
Como quinto e último ponto, Janot diz que, na sequência, Loures foi filmado recebendo a mala de R$ 500 mil de um executivo da J&F.
“Em todas as conversas entre os executivos da J&F e Rodrigo Loures, este menciona que fazia reportes da situação a Temer e de fato há nas interceptações telefônicas diversas ligações que demonstram a proximidade entre Loures e Temer no período das tratativas ilícitas”, diz Janot.
GRAVAÇÃO. Respondendo a uma outra pergunta, Janot diz que a conversa de Joesley e Temer foi gravada “de maneira espontânea” pelo empresário, “antes que ele e os demais integrantes do grupo J&F procurassem a PGR para negociar acordo de delação”.
Uma das afirmações da defesa de Temer é que Joesley estaria agindo orientado por investigadores quando gravou o presidente. Janot nega, e diz que a gravação não foi feita “no bojo de uma ação controlada”. Ele afirma que só tomou ciência da gravação semanas após a realização.
Janot também afirmou que o ex-procurador da República Marcello Miller “não participou das negociações referentes ao acordo de colaboração premiada” entre executivos do grupo J&F e a Procuradoria-Geral da República. Miller já integrou o grupo de trabalho do procurador-geral e ingressou em um escritório Trench, Rossi & Watanabe, contratado pela J&F para negociar acordo de leniência em favor do grupo. Janot diz que a PGR não negocia acordo de leniência, e que as negociações do grupo aconteceram, no caso da leniência, perante a Procuradoria da República do Distrito Federal.
ÁUDIO. Janot afirmou também que não procedem alegações da defesa de que teria havido edição ou qualquer tipo de adulteração na gravação do diálogo entre Temer e Joesley. Ele diz que, no laudo entregue pela PF, “foi afastada qualquer dúvida de fraude”.
CONTRAPARTIDA. O PSOL também perguntou quais teriam sido as consequências das tratativas de Loures com o grupo J&F. Janot disse que o grupo movia um processo desde 2005 contra a Petrobrás no CADE pedindo que a estatal fosse obrigada a fornecer gás natural à empresa EPE Cuiabá — o que a Petrobrás vinha rejeitando.
“Contudo, em 13 de abril, após as tratativas entabuladas entre Joesley Batista, Michel Temer e Rodrigo Loures, a Petrobrás decidiu fazer um acordo com a empresa Ambar Energia Limitada (UTE Cuiabá), garantindo-lhe, até dezembro de 2017, um contrato de compra e venda de gás natural. Com isso, o objetivo da J&F fora atendido”, disse Janot. O procurador afirmou que a interferência do Cade na decisão da Petrobrás é alvo de uma outra investigação, específica.
Estadão