Crise expõe rachas entre aliados, isolamento no Congresso e até mesmo alienação pessoal do presidente. Governo propagandeou acordo sem garantia de que bloqueios acabariam.
Colocado contra a parede, o governo Michel Temer capitulou na quinta-feira (24/05) ante as exigências de algumas entidades que representam caminhoneiros, que vêm nos últimos dias promovendo a maior paralisação do setor de transportes em quase duas décadas, com reflexos na distribuição de alimentos e de combustível pelo país. Mesmo com um acordo que teria reflexos negativos nas contas públicas, o governo indicava que a crise caminhava para o fim.
Só que os protestos continuaram, com bloqueios em centenas de pontos do país, e Temer anunciou nesta sexta-feira que está convocando forças federais para desobstruir as estradas. A continuação dos bloqueios mostrou que o acordo propagandeado ontem não era o que parecia e que o governo satisfez apenas entidades que não têm influência sobre a maioria dos caminhoneiros que ocupam as estradas.
“Isso mostra que o governo está nas cordas. Lidou desde o início de uma forma tumultuada, indecisa, e sem coordenação, ficando completamente refém. Temer não tem mais capacidade de reação para lidar com crise alguma e está a reboque dos acontecimentos”, afirma o cientista político Marcelo Issa, da consultoria Pulso Público.
Ainda segundo Issa, o episódio também expôs novos rachas com aliados no Congresso, além de certa alienação pessoal do presidente, que manteve uma agenda de viagens desimportantes em meio à crise.
Medidas para conter a paralisação também corroeram ainda mais o que resta do discurso de estabilidade econômica do governo e o compromisso de garantir autonomia para a Petrobras. Tudo isso sem garantias de que a crise chegaria ao fim. E a greve estourou justamente na semana em que o presidente lançou o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles como pré-candidato do MDB à Presidência.
Desde o início da paralisação, o governo demonstrou que subestimou o potencial do movimento. A paralisação desta semana vinha sendo discutida entre caminhoneiros desde o início de maio, mas o governo não chamou representantes para negociar antecipadamente. Sindicatos dos caminhoneiros se queixam, sobretudo, do preço do óleo diesel, que vem subindo desde o ano passado, quando a Petrobras ganhou liberdade para fazer ajustes diariamente nos preços.
Resposta descoordenada
Nos dois primeiros dias da greve, a resposta de representantes do governo à crise foi de que o Planalto não cederia a uma chantagem. Na terça-feira, o presidente da Câmara e pré-candidato ao Planalto, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resolveu agir, sem qualquer coordenação com Temer, para aprovar um projeto que trazia embutida a proposta de zerar a alíquota do PIS/Cofins sobre o diesel até o fim do ano.
A iniciativa de Maia escancarou o crescente distanciamento de Temer com as lideranças da Câmara e do Senado e a corrosão do seu apoio no Congresso – que já havia enterrado no ano passado qualquer chance de aprovar a reforma da Previdência.
O gesto também foi encarado no meio político como uma tentativa de Maia de se distanciar ainda mais do impopular Temer. “Michel não tem capacidade de ser árbitro desse jogo”, disse Maia na quinta-feira ao jornal Valor. De quebra, o presidente da Câmara devolveu o problema para o Planalto.
O democrata divulgou inicialmente zerar o PIS/Cofins sobre o diesel custaria 3,5 bilhões de reais, mas os cálculos do Planalto apontam que o valor pode passar de 12 bilhões de reais. Agora, o governo tem que correr atrás no Senado para reverter o projeto.
“Após a crise envolvendo as denúncias contra Temer no ano passado, o Congresso virou um credor do governo. O protagonismo de Maia e forma como ele agiu demonstram isso”, disse Issa.
Após as ações de Maia, o governo apresentou de maneira indireta a sua primeira proposta concreta: o presidente da Petrobras, Pedro Parente, anunciou uma redução de 10% do valor do diesel nas refinarias pelos próximos 15 dias. Não foi suficiente.
Na quinta-feira, quando a crise já estava no quarto dia, o governo finalmente anunciou que uma redução de 10% do valor do combustível por 15 dias extras, além dos 15 já prometidos pela Petrobras. Prometeu ainda, manter uma previsibilidade mensal nos preços do combustível até o fim do ano.
Essa espécie de congelamento disfarçado será bancada na maior parte pelo governo e deve custar aos cofres públicos pelo menos 5 bilhões de reais até o final do ano. O Planalto também disse que vai trabalhar para zerar um dos impostos (Cide) sobre o diesel até o fim do ano – que deve custar mais de 2 bilhões de reais – entre outras medidas.
Toda a negociação ocorreu sem qualquer contrapartida inicial dos caminhoneiros, como a liberação de algumas estradas. Foi só após o fechamento do acordo que nove de 11 movimentos que representam caminhoneiros se comprometeram a conceder uma trégua de 15 dias. No entanto, mesmo as amplas concessões do governo não agradaram todos os caminhoneiros, e o país ainda registra centenas de bloqueios em estradas. Só a partir desta sexta-feira o governo endureceu o tom e anunciou que não vai mais tolerar o bloqueio de estradas.
Antes mesmo do acordo – não aceito por várias entidades –, Temer já demonstrava que não estava dando prioridade pessoal ao assunto. Na quinta-feira, cumpriu agendas desimportantes no interior do Rio de Janeiro e em Belo Horizonte enquanto supermercados e postos de combustíveis penavam com a falta de estoques. Na cidade de Porto Real /RJ), entregou carros para o Conselho Tutelar e não falou sobre a greve. Na capital mineira, celebrou o Dia da Indústria com um grupo de empresários.
Consequências para a Petrobras
A capitulação do governo acabou tendo efeitos negativos na Petrobras. Na quinta-feira, logo na abertura da bolsa, as ações da empresa caíram 14%. A queda acumulada nos últimos dias anulou parte do trabalho de recuperação que vinha sendo empreendido pelo presidente da empresa, Pedro Parente, desde 2016.
A decisão do governo de realizar uma “intervenção branca” na política de preços da Petrobras acabou sendo vista por investidores como uma pá de cal no discurso de que a empresa estava finalmente livre de interferência governamental após anos de redução artificial de preços do governo Dilma Rousseff, que causaram prejuízos bilionários.
Também ficou mais delicada a posição de Parente. Na terça-feira, ele negou categoricamente a possibilidade de a empresa rever sua política de preços. “O governo não entra nos assuntos da Petrobras, a Petrobras não comenta assuntos do governo”, disse ele.
No dia seguinte, no entanto, Parente anunciou a redução inicial do preço do diesel em 10% por 15 dias, que deve custar 350 milhões de reais. A iniciativa acabou sugerindo que a tal conquistada independência da Petrobras sob Temer não durou muito. Nesta sexta-feira, diante da desmoralização da gestão de Parente, o governo precisou declarar que continua a apoiar a permanência dele à frente da Petrobras.
Segundo Issa, a forma como o Planalto lidou com a crise pode estimular outros setores da economia a jogar mais duro com o governo para arrancar concessões. “Não há indicações disso por enquanto, mas há possibilidade de surgir mais pressão depois desse episódio”, diz o cientista político.