Os últimos dados sobre novos casos e mortes por coronavírus divulgados pelo Ministério da Saúde dão a impressão de haver um achatamento na curva da epidemia no Brasil, principalmente na quantidade de mortes. Na segunda-feira 20, foram registradas 113 novas mortes e 1.927 novos casos. Já na terça-feira 21, foram 166 novos óbitos e 2.498 casos. Mas de fato isso está acontecendo? Conseguimos achatar a curva?
Parece que sim. “A curva está diminuindo sim”, diz à VEJA o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. No entanto, Croda não usa como base para essa conclusão os dados oficiais de contágio e mortes por coronavírus e sim o número de internações por síndrome respiratória aguda grave (Srag).
“Há um claro achatamento na curva de casos de síndrome respiratória aguda grave (Srag), que reflete a diminuição na taxa de contágio, principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. O ideal, neste momento, é utilizar o monitoramento da Srag porque esse dado independe de testes de diagnóstico. Além disso, a Srag não serve só para coronavírus, mas para todas as doenças respiratórias. Se há uma redução da mobilidade, há uma redução de doenças respiratórias em geral e de internações associadas as doenças. É isso o que estamos vendo agora”., explica o especialista.
De acordo com Croda, a possível subnotificação de casos e mortes por Covid-19 devido à ausência de testes em massa no país pode comprometer a análise da curva de crescimento no Brasil. “Ao concentrar a explicação apenas nos números oficiais de casos e óbitos, pode haver a construção de uma narrativa que os óbitos estão diminuindo, quando, na verdade, é pela falta de testes. Apesar do número de testes estar aumentando, ainda não é o ideal. A medida que tenhamos mais testes disponíveis, talvez esse número de casos de Covid-19 seja mais real.”, explica o pesquisador da Fiocruz.
Já o epidemiologista, infectologista e mestre em saúde pública Bruno Scarpellini, pede cautela. “Parece que a curva está achatada, mas acho que é precoce fazermos qualquer afirmação. Será que não subdiagnosticamos e continuamos subnotificando? Aparentemente estamos melhor do que outros países. Mas já vimos países que afrouxaram a conduta e tiveram disparada de casos, como Suécia, Japão e Coreia do Sul.”, diz o especialista.
Ao comparar a curva de crescimento do Brasil com a de outros países (veja os gráficos abaixo) no mesmo período da pandemia (primeiros 56 dias após a confirmação do primeiro caso), vemos que no que diz respeito ao ritmo de contágio o Brasil está abaixo apenas da Itália e da Espanha. Mas na comparação da evolução dos óbitos, a curva do Brasil é a segunda menor, atrás apenas da França.
Vale ressaltar que hoje, esses países – França, Alemanha, Estados Unidos, Itália e Espanha – estão em um estágio muito mais avançado da epidemia do que o Brasil, pois tiveram seu primeiro caso confirmado cerca de um mês antes de nós. De qualquer forma, seu exemplo serve de aprendizado sobre a importância não só da testagem em massa, mas também do respeito às medidas de distanciamento social e de um relaxamento gradual dessas medidas.
Cerca de três meses após a confirmação do primeiro caso – ou seja, em um período de um mês do que o Brasil está agora – os Estados Unidos tinham 661.712 casos confirmados e 34.619 mortes. A França, 156.500 casos confirmados e 19.323 mortes. E o Reino Unido, hoje tem 130.200 casos confirmados e 17.337 mortes. Ou seja, sua curva começou a cresceu exponencialmente após os primeiros dois meses do início da epidemia. Portanto, mesmo que o Brasil pareça estar no caminho certo, não dá para relaxar.
Sucesso das medidas de isolamento
Os especialistas concordam que as medidas de isolamento adotadas no país funcionaram. Mas alertam que ainda é cedo para retira-las. “O número que estamos vendo agora representa ações tomadas de duas a quatro semanas atrás. Se daqui a duas semanas aumentar o número de mortes e de casos, será consequência do que fizemos hoje. Precisamos continuar com o distanciamento e programar uma saída gradual, seguindo o protocolo da OMS.”, afirma Scarpellini.
“Aconteceu o achatamento, o primeiro objetivo foi atingido. Agora é importante planejar a reabertura. É preciso fazer o monitoramento de indicadores precisos e em tempo real. No momento em que o isolamento é relaxado, a taxa de contágio deve aumentar, assim como a necessidade de internações em UTI. Cabe ao gestor analisar esses números e adotar uma nova medida de isolamento quando for necessário. Conhecemos a doença, temos a experiência de outros lugares do mundo e qualquer superlotação do serviço de saúde é de responsabilidade do gestor. Ao propor o relaxamento ele supõe que há capacidade para atender os pacientes.”, complementa Croda.
Mesmo com o achatamento da curva, alguns estados estão com dificuldade para atender os pacientes, como Amazonas e Ceará. “O número de leitos disponíveis nesses locais não é suficiente para atender os pacientes. Existe uma desproporção no número de leitos por 10.000 habitantes no Brasil, principalmente no sistema público. As regiões Norte e Nordeste tem um número menor que o Sul e o Sudeste. Então já era de se esperar que essas regiões sofressem mais com essa epidemia. Mas a situação poderia estar muito pior nesses estados se nada tivesse sido feito.”, explica Croda.
Como já explicado, a função do achatamento é justamente dar ao sistema de saúde capacidade de atender todos os pacientes com qualidade. Por isso a opinião é unânime entre especialistas: mesmo que a curva tenha de fato sido achatada neste momento, até a população adquirir imunidade ou até aparecer uma vacina, haverá momentos de agudização da epidemia e necessidade de implantação de novas medidas de isolamento. “Isso é dinâmico. Precisamos entender que não vamos voltar à normalidade completa tão cedo e isso tem que ser feito porque é o que temos de melhor nesse momento”, finaliza Scarpellini.
MSN Brasil