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A democracia sem povo

Osvaldo Cruz
4 Min Leitura

Parodiando Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno, “triste Brasil, ó quão dessemelhante”, pois aqui os ditos representantes do povo encontraram argumentos demagógicos e jurídicos para arrombarem os cofres públicos sem sequer a cerimônia de darem explicação. Contando com a oportunosa ensancha propiciada pela eleição do capitão Jair Messias Bolsonaro, incapaz de distinguir o buraco de uma agulha da corcova de um camelo, o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, inventou a conjunção obrigatória de dois antônimos, orçamento secreto. Por esse truque de fazer corarem doleiros de mensalão e petrolão, entregando parte considerável do butim a si próprio, família, paróquia e grei, o “nobre” parlamentar escondeu no sigilo do destino das verbas tidas como coletivas o “abre-te, Sésamo” da caverna do ouro invadida por 40 ladrões.

Com a mesma desenvoltura com que libertaram os condenados da Operação Lava Jato, os inimigos destes uniram-se para assegurar a permanência do lance de dados no cassino desocupado pelos perdedores da hora para a ocupação dos vencedores da vez. O jogo de cena foi tão eficaz que já se cogita a adesão do líder de todos os governos, Ricardo Barros, prestidigitador da banca do capitão-terrorista, adesão à futura gestão em que o Partido dito de Trabalhadores que nunca suaram, providencia o afastamento de antigos aliados nocivos ao bem-estar da opa sindicalista. Não foi golpe de pouca monta. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora da ação contra as emendas do relator, Rosa Weber, redigiu um voto antológico em defesa do óbvio: não há democracia sem transparência. A primeira dissidência ao primoroso documento partiu do pastor André Mendonça, acólito do lulismo sindical e pregador do bolsoarismo cristão de araque. Apelou para a representação do cidadão na Câmara para afastar do poder o verdadeiro cidadão, que só penetra na casa das leis para varrer o chão e servir cafezinho, frio para quem sai, morno para quem fica e delicioso para quem entra. Passou o refrão para Nunes Marques, que ainda tem duas semanas para louvar seu mito de coturno.

Dos que acompanharam a dupla destaca-se o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que, depois de liderar os berros pelos gols de vitória de Lulinha da Silva, apressou-se a esclarecer que sua parcialidade não se limita à torcida pelo time campeão. E, confirmando sua esperança de algum dia disputar uma governança por uma legenda partidária, esclareceu em definitivo que a sua é a democracia sem povo. Esse xaveco foi completado com a farsa do pedido de vista do decano Gilmar Mendes e do acadêmico de São Bernardo, Ricardo Lewandowski, para permitir que Rodrigo Pacheco, presidente do Senado e devoto do PSD, não o dos mineiros que só debatiam assuntos resolvidos antes nos conchavos, mas o do dr. Gilberto Kassab, que dirige um partido, que não é de direita, centro nem esquerda.

E, assim, a farsa se consuma. Da mesma forma como o aperto de mãos de Lula e Lira, (faz dois eles aí), consagrou o pacto da gastança em nome do combate à fome da miséria brasileira, o acordo tácito dos segredos da compra dos tratores para a Codevasf concretizou-se no encontro de Pacheco e Lewandowski. Depois, é claro, da votação do Congresso que consumou o engana-trouxa ao revelar o segredo de Polichinelo do suspense dos votos dos representantes do Pantanal e do ABC. Na democracia de Moraes e Dias Toffoli, quem vota não precisa aprender a ler e quem não tem mandato ou marajanato na Nomenklatura brasiliense não apita necas.

Fonte O Antagonista

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