O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou em um vídeo publicado em suas redes sociais nesta terça-feira (18/3) ter tomado “a decisão mais difícil de sua vida”.
Ele afirmou que vai se licenciar do mandato na Câmara para ficar nos EUA e se dedicar em tempo integral a convencer o governo Donald Trump a atuar pela anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro no Brasil e para obter sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do processo sobre golpe de Estado no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi denunciado.
“Serei julgado por um inimigo declarado, pela mesma pessoa que eu tenho denunciado aqui no exterior”, afirmou.
Eduardo não é oficialmente investigado nem foi denunciado ou indiciado em nenhum processo judicial até o momento.
E no fim da tarde desta terça, depois do anúncio da licença, a Procuradoria Geral da República (PGR) se posicionou contra um pedido de parlamentares petistas para que o deputado tivesse seu passaporte retido e fosse impedido de ir aos EUA. Pouco depois, o STF decidiu arquivar o pedido.
Ainda assim, ao anunciar seu licenciamento, Eduardo tenta se caracterizar como exemplo da suposta perseguição que ele tem sistematicamente denunciado nos EUA.
“Não irei me acovardar, não irei me submeter ao regime de exceção e aos seus truques sujos”, afirmou Eduardo, que chama Moraes de “psicopata”, “homem de geleia” e o acusa de ser o chefe da “gestapo da Polícia Federal”, em uma referência à polícia secreta da Alemanha nazista de Hitler.
Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa
O Supremo tem respaldado Moraes nos casos que ele relata, como é o caso das investigações sobre uma possível tentativa de golpe de Estado por parte do bolsonarismo — Eduardo não é citado na investigação.
Embora tenha anunciado a decisão na manhã desta terça, até às 17h deste dia 18, Eduardo ainda não havia protocolado o pedido de licença na Câmara dos Deputados. A decisão sobre o pedido caberá ao presidente da Câmara, deputado Hugo Motta.
Segundo o blog da jornalista Natuza Nery, no G1, o afastamento ocorre pouco após Eduardo ter sido comunicado pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sobre a decisão de não indicá-lo à presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
Ainda de acordo com a jornalista, Valdemar teria conversado com Eduardo a respeito do tema no domingo, dia em que Jair Bolsonaro participou da manifestação por anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro.
O ato atraiu muito menos pessoas do que o previsto pelo partido, segundo as estimativas divulgadas antes pelo PL e posteriormente por estudos da USP.
No início da tarde, Jair Bolsonaro discursou durante um evento em Brasília e chorou ao comentar a decisão do filho. Bolsonaro também expressou “gratidão por Donald Trump”: “Sei que ele continuará a abraçar meu filho”, afirmou.
Em pouco mais de um mês desde a posse de Trump, Eduardo foi aos EUA quatro vezes, em uma intensa campanha para que parlamentares americanos, empresários e integrantes da Casa Branca tomassem medidas públicas contra o governo brasileiro. A retomada do poder pelo trumpismo se converteu em esperança para o grupo bolsonarista no Brasil, embora não esteja claro que tipo de atuação o governo dos EUA poderia ter e estaria disposto a assumir em favor dos aliados.
A campanha ocorre diante da possibilidade cada vez mais concreta que Bolsonaro, já inelegível até 2030, seja julgado pelo STF em breve. A Corte decidirá em 25 de março se o presidente se tornará réu após ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Bolsonaro nega todas as acusações.
O trabalho de articulação de Eduardo resultou em uma nota recente do Departamento de Estado dos EUA acusando o Brasil de praticar censura pelas decisões do STF em relação a redes sociais como o X, do bilionário trumpista Elon Musk, e da Rumble, rede recentemente tirada do ar em território brasileiro e cujos advogados processam Moraes em parceria com a Trump Media, empresa do presidente americano que controla a rede Truth Social.
Nos EUA, desde que voltou ao poder, Trump concedeu perdão presidencial a todos os envolvidos nos atos de 6 de janeiro e desmobilizou procuradores do Departamento de Justiça nas investigações dos atos.
Ele próprio era alvo das apurações por seu suposto papel de instigar a massa de trumpistas para tentar subverter o resultado da eleição de 2020, na qual foi derrotado. O caso foi encerrado depois de sua eleição ao menos até que Trump deixe a Casa Branca.
Trump não chegou a ser julgado e sempre negou as acusações. O episódio lhe rendeu suspensão ou banimento de redes sociais, como o então Twitter e o Facebook. De lá pra cá, Trump se converteu em um defensor aguerrido da liberdade de expressão, em mais uma confluência de ideias com bolsonaristas, que acusam Moraes de censura por retirar do ar as chamadas fake news. Trump acusa o Judiciário dos EUA de ter sido politicamente aparelhado e segue repetindo, sem provas, que a eleição de 2020 foi fraudada.
Diante da movimentação do deputado brasileiro nos EUA, parlamentares petistas, entre eles o novo líder do partido na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (RJ), pediram ao STF que sua atuação fosse investigada por estar supostamente prejudicando a soberania do Brasil e que seu passaporte fosse retido. Moraes, relator do caso das Fake News, na qual o pedido dos petistas foi incluído, pediu que a PGR se posicione antes de tomar qualquer decisão.
A resposta veio nesta terça, após o anúncio da licença por Eduardo. Na decisão, o procurador-geral Paulo Gonet afirma que “os relatos dos noticiantes (parlamentares petistas) não contêm elementos informativos mínimos, que indiquem suficientemente a realidade de ilícito penal, justificadora da deflagração da pretendida investigação”.
À BBC News Brasil, Eduardo negou que pedisse sanções ou tarifas contra os brasileiros, mas admitiu que tampouco fazia gestões para aliviá-las, concentrando sua pauta na defesa ao pai. Algo que ele reafirma agora, em seu vídeo.
Eduardo diz que a oposição a ele vinha tentando usar seu mandato “como um cabresto”.
“Seria mais confortável ficar quieto, recebendo um excelente salário e fingindo defender os paulistas e meus irmãos brasileiros, do que enfrentar esse sistema covarde e desumano. Mas eu não aceitei esse chamado para ter conforto ou comodidade”, disse Eduardo, que pleiteava o posto de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.
Eduardo viajou pela última vez aos EUA, com toda a família, durante o Carnaval. E não retornou mais ao Brasil. Seus aliados radicados no país, como o ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo, que vive na Flórida e foi denunciado pela PGR no processo de tentativa de Golpe, vinham advogando para que Eduardo não mais retornasse ao Brasil, porque haveria um risco de ele vir a ser preso.
Não existe qualquer pedido de prisão público contra o deputado, que não é até o momento alvo da Justiça nas investigações referentes à tentativa de golpe de Estado que envolvem seu pai.
“Não é fácil saber que o meu pai pode ser injustamente preso e talvez eu jamais tenha a chance de reencontrá-lo pessoalmente de novo”, diz Eduardo, que segue, tentando criar um paralelo entre Trump e Bolsonaro:
“Não tenho dúvida que o plano dos nossos inimigos é encarcerá-lo para assassiná-lo na prisão ou deixá-lo lá perpetuamente, assim como aconteceria com Donald Trump caso não tivesse sido reeleito agora em 2024”, diz o deputado.
A atuação de Eduardo Bolsonaro na articulação política no exterior não é uma novidade na carreira do político, que foi o responsável por conectar o pai a Trump por meio de um de seus ideólogos, Steve Bannon. Diante da inelegibilidade de Bolsonaro, o nome de Eduardo vinha sendo ventilado como uma possível alternativa, algo que o próprio deputado passou a rechaçar nas últimas semanas.
“Alexandre, a minha meta de vida será fazer você pagar por toda a sua crueldade com pessoas inocentes. Estarei focado integralmente nesse objetivo. Só retornarei (ao Brasil) quando você estiver devidamente punido pelos seus crimes, pelo seu abuso de autoridade”, afirmou Eduardo dirigindo-se diretamente ao ministro do STF.
A BBC News Brasil entrou em contato com Eduardo Bolsonaro após a divulgação do vídeo, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Fonte BBC