O mapa abaixo mostra uma situação digna de um realismo fantasticamente miserável. Através dele somos informados de que o número de assassinatos anuais no Brasil é equivalente ao dos países em azul… SOMADOS!
Ou seja, somando-se todos os assassinatos de China (1,3 bilhão de habitantes), Estados Unidos (320 milhões), Indonésia (255 milhões), Rússia (146 milhões), Japão (126 milhões), da Europa Ocidental (397 milhões), etc, chega-se ao número equivalente ao de brasileiros mortos. Lembrando que nosso país tem algo como 210 milhões de habitantes.
Ou seja, o risco de um brasileiro ser assassinato é desproporcionalmente maior do que aquele experimentado pelos cidadãos de todos esses países. Somos, portanto, um país de assassinos e de assassinados.
Quais são as razões dessa tragédia? Como todo fenômeno complexo, há uma série de explicações simplistas e oferta de soluções fáceis.
Para os “progressistas”, a causa é a miséria e a desigualdade de renda. Fosse o Brasil um lugar mais justo, a criminalidade cairia. Ocorre que a relação entre pobreza/desigualdade e criminalidade não parece ser assim tão imediata. A tabela abaixo traz os dados para os dez países mais populosos do mundo, entre os quais o Brasil.
Vê-se que, a partir da base de dados utilizada, o Brasil tem renda média inferior apenas àquelas de EUA, Rússia e Japão. Mesmo assim, somos os líderes de assassinatos nessa amostra.
O Paquistão, que tem renda igual a 10% da brasileira, apresenta uma taxa de 7,81, menor que a observada nos estados mais “seguros” do Brasil (como veremos adiante). Mais impressionante ainda é o caso da Indonésia, cuja renda é menor que 50% da brasileira, mas cuja taxa de assassinato fica abaixo de um para cada 100 mil habitantes.
A desigualdade parece ser uma variável mais promissora, já que o Brasil apresenta o pior índice de Gini de nossa amostra, mas mesmo países mais pobres e também muito desiguais – como a Nigéria – apresentam taxas muito inferiores à média brasileira.
O gráfico abaixo mostra a relação entre renda per capita e taxa de assassinatos para os países sul-americanos.
Ainda que os países de maior renda per capita da região – Argentina, Chile e Uruguai – tenham taxas de assassinatos abaixo de dez por 100 mil habitantes, vemos que países muito mais pobres que o Brasil – como Peru, Paraguai, Bolívia, Equador e Guiana Francesa – apresentam taxas de variam de 7,16 (Peru) e 12,4 (Bolívia).
Ou seja, quando analisamos o cenário internacional, vê-se que a pobreza e a desigualdade existentes no Brasil não são suficientes para explicar nossa tragédia.
No nível subnacional, a tese “progressista” parece mais robusta, afinal, em 2015, os estados que tinham menor taxa de assassinatos – São Paulo (12,2) e Santa Catarina (14) – são estados de renda significativamente mais elevadas que os estados mais violentos – Sergipe (58,1), Alagoas (52,3), e Ceará (46,7). Porém, quando analisamos esse processo ao longo do tempo, as coisas se complicam um pouco.
Em 2005, o Ceará (21) tinha taxa inferior à de São Paulo (21,9); o Rio Grande do Norte (13,5), era pouco mais violento que Santa Catarina (10,8). Ou seja, em uma década, alguma coisa andou muito errado no Nordeste, e outra coisa andou não tão horrível em São Paulo.
As teses preferidas dos conservadores também não parecem assim tão robustas.
Por exemplo, muito se diz que a causa da violência no Brasil é o fato de a Justiça não funcionar, de haver muito bandido solto pela praça (em algumas praças, especialmente aqui em Brasília, isso é inegável, mas deixemos isso de lado).
Olhando a tabela 1, porém, vemos que a taxa de encarceramento no Brasil só é menor do que aquela verificada nos Estados Unidos e na Rússia. São 193 presos para cada grupo de 100 mil brasileiros. Na Índia esse valor é de 30, e sua taxa de assassinato é de 3,21.
A taxa de encarceramento brasileira aumentou 67% entre 2004 e 2014. Nesse último ano havia 622 mil presos no país, tínhamos então a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de EUA (2,2 milhões), China (1,65 milhão) e Rússia (644 mil).
Esse aumento na população carcerária ocorreu de modo concomitante com a piora nos números de homicídio. Isso NÃO significa que não adiante prender criminosos, mas parece mostrar que o aumento no número de presos NÃO É CONDIÇÃO SUFICIENTE para redução da criminalidade.
Ou seja, muita gente está sendo presa no Brasil, mas continuamos a viver uma carnificina.
Outra hipótese interessante: alguns podem dizer que o problema do Brasil é a falta de religião. Somos assassinos por não temermos a Deus. Essa tese tampouco parece robusta. Japão e China, os dois países menos religiosos da amostra, possuem taxas abaixo de um. Enquanto no Brasil, onde 75% das pessoas dizem que a religião é muito importante em suas vidas, temos uma taxa de quase 29 assassinatos por 100 mil habitantes.
Enfim.
O que gostaríamos de mostrar nesse texto é que não existem respostas nem soluções fáceis para o problema da violência no Brasil.
O problema é que enquanto não enfrentamos esse problema, idiotas cuja argumentação gravita em torno de clichês como “bandido bom é bandido morto” ou “tá com pena? Leva pra casa” vão ganhando apoio da população.
Nas Filipinas, o atual presidente é dessa laia: vive a elogiar, proteger e estimular grupos de extermínio.
Isso não está distante de nós, onde a cada chacina da Candelária e do Carandiru, há sempre uma turba a dizer “podia ter uma todo dia!”.
*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.