A condenação do ex-presidente Lula a mais de nove anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção pode significar uma mudança na maneira como o Brasil lida com a “impunidade em relação aos poderosos”. Mas disso dependerá o resultado das investigações contra lideranças “de todos os campos do espectro político” envolvidas na operação Lava Jato.
Essa é a opinião da Transparência Internacional, organização sem fins lucrativos sediada na Alemanha cujo principal objetivo é o combate à corrupção.
“Não há dúvida de que a condenação do ex-presidente Lula é um passo importante, mas se ela vier acompanhada por outras condenações de lideranças de todos os campos do espectro político, teremos uma evidência mais do que clara de que não existe qualquer coloração ideológica ou partidária por trás desse processo”, diz Bruno Brandão, representante brasileiro da entidade, à BBC Brasil.
“Em outras palavras, de que se trata de um movimento contra a corrupção em si e de que nem os poderosos sairiam impunes”, acrescenta.
Ele cita especificamente os casos do presidente Michel Temer e do senador Aécio Neves, que também enfrentam acusações de corrupção. O futuro dos dois ainda depende de decisões do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal).
‘Encruzilhada’
Brandão diz acreditar, contudo, que o Brasil está em uma “encruzilhada”.
“O Brasil está numa encruzilhada e terá de decidir qual caminho vai seguir daqui para frente. De um lado, temos um país que quer varrer a corrupção e tem feito movimentos vigorosos para combatê-la, com resultados até agora historicamente impressionantes. De outro, um país que permanece controlado por forças que querem se manter no poder a todo custo sem o temor de que sejam punidas”, explica.
Falando sobre o que chamou de “risco de retrocesso”, ele cita o caso da decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de rejeitar a cassação da chapa Dilma-Temer, o que definiu como “aberração”.
“A reação popular não foi tão contundente. Já vimos investigações como essas acabarem se desidratando”, assinala.
Neste sentido, Brandão afirma ser “fundamental” que a sociedade continue apoiando o andamento das investigações.
“Sem apoio popular maciço, o combate à corrupção não tem como prosperar”, avalia.
Papel de 2018
Para o representante brasileiro da Transparência Internacional, as eleições do ano que vem vão ser “um grande divisor de águas”.
“Já existe um movimento de renovação política, mas ninguém sabe dizer se isso vai ser melhor ou pior para o país”, opina.
“Forças autoritárias podem se aproveitar da insatisfação generalizada para se elegerem. O combate à corrupção não pode acontecer ao custo do desrespeito aos direitos humanos e ao Estado democrático de Direito”, acrescenta.
Em comunicado enviado à imprensa, o peruano José Ugaz, presidente da entidade, afirmou que a condenação de Lula mostra que o “Estado de Direito funciona no Brasil”.
No entanto, ele também cobrou “imparcialidade” em relação a decisões envolvendo outras lideranças políticas brasileiras acusadas de corrupção.
“O Congresso brasileiro e a Suprema Corte também vão ter de decidir nesses dois casos (Aécio Neves e Michel Temer). Eles devem agir com imparcialidade e garantir que não haja impunidade”, disse.
Antes de ser presidente da Transparência Internacional, Ugaz foi o procurador responsável pelo caso que culminaria na prisão do ex-presidente do Peru Alberto Fujimori.
Segundo ele, o escândalo da Lava Jato “implicou políticos de todos os partidos e os empresários mais poderosos do Brasil. Não surpreende que os investigadores e os juízes da Lava Jato estão agora enfrentando ataques de todos os lados”.
“Isso prova que a corrupção não distingue ideologia ou partidos políticos. A Transparência Internacional defende que haja garantias de que as investigações possam continuar e que todos os processos judiciais permaneçam independentes e livres da interferência de qualquer partido político”, afirmou Ugaz.
Percepção de corrupção
No ano passado, o Brasil ficou em 79º lugar entre 176 países em um ranking da entidade sobre a percepção de corrupção. É a mesma posição de China, Belarus e Índia.
O estudo leva em consideração a percepção de corrupção entre servidores públicos e políticos. Quanto melhor um país está situado no ranking, menor é a percepção da corrupção por seus cidadãos.
Dinamarca e Nova Zelândia lideram a lista. A Somália ficou em último lugar.
Segundo a Transparência, o Brasil caiu “significativamente” nos últimos anos devido aos escândalos de corrupção envolvendo políticos e empresários, revelados pelas investigações da operação Lava Jato.
“Apesar disso, o país mostrou neste ano (2016) que, através do trabalho independente de organismos responsáveis pela aplicação da lei, é possível responsabilizar publicamente aqueles antes considerados intocáveis”, assinalou a entidade na ocasião.