O novo ministro chegará à pasta da Justiça em meio a uma crise no sistema penitenciário, que deixou mais de uma centena de mortos no início do ano, e com o desafio de retomar a implementação do Plano Nacional de Segurança, projeto gestado por Alexandre de Moraes. O deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) chega ainda sem saber se terá à sua disposição toda a estrutura do ministério, que poderá ver a Secretaria Nacional de Segurança (Senasp) desmembrada para se tornar subordinada à presidência, o que reduziria os órgãos sob o seu comando. Enquanto não há definição, as primeiras etapas do Plano devem entrar em stand by.
O programa, que foca na redução da quantidade de homicídios nas capitais (7,5% ao ano como meta), redução de crimes de violência doméstica e modernização e ampliação do sistema carcerário, começou a ser implementado em Natal, Porto Alegre e Aracaju após ser lançado como resposta do governo em meio à sequência de mortes nas cadeias. Com tropas da Força Nacional, a administração planejava chegar a todas as capitais ainda neste ano. O esforço, no entanto, dependerá de novas convocações a cargo do ministro para complementar o efetivo de 7 mil homens prometidos para que a Força tenha capacidade de atuar nos Estados.
Ambicioso, o plano recebeu críticas de especialistas em segurança para os quais, agora, o novo ministro deverá realinhar a atuação. “Acredito que as linhas gerais podem ser mantidas, mas a forma de condução tem de ser alterado. Alexandre de Moraes agia com alta exposição, não fugia do embate e tensionava todos os envolvidos. Osmar, como parlamentar há muito tempo, tende a ser menos conflituoso e capaz de articular”, disse o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.
Uma das principais críticas do plano era que ele não envolvia políticas de prevenção desenvolvida com outros ministérios, considerado fator importante para atenuar a violência, que deixou 58.467 pessoas assassinadas em 2015, dado mais recente registrado. Para o ex-secretário nacional de Justiça e presidente para a América Latina da Open Society, Pedro Abramovay, o perfil do deputado pode auxiliá-lo na implementação dos projetos. “Tem tudo para ser uma pessoa que articule mais com outros ministérios, costurando melhor o programa. O Brasil vive uma crise aguda de homicídios, acentuada pela crise dos presídios, e isso não pode ser considerado só como uma questão de política. É necessário reforçar as ações de prevenção”, disse.
Lima destacou a necessidade de que se decida rapidamente pela eventual criação de uma nova secretaria, como vem sendo estudado pelo governo federal. “O novo ministro vai assumir o comando em meio a essa incerteza. Ele vai ficar ou não responsável pela política de segurança do governo? E se mudar, o que vai ficar a cargo do ministério. O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) vai para um lado ou para outro? Isso vai fazer com que sua equipe trabalhe sem possuir todas as informações, o que deve fazer com a implementação do plano entre em compasso de espera”, disse. Neste mês, o presidente Michel Temer já havia alterado o nome do Ministério da Justiça, para incluir o termo segurança pública, numa sinalização de prioridade para o tema.
Sobre a crise penitenciária, Abramovay pediu um realinhamento da política para que ela deixe de focar somente nos repasses de verbas aos Estados. “O ministro Moraes repassou dinheiro aos Estados por determinação do STF, que ordenou o descontingenciamento do Funpen, não por uma política específica. Sem isso, e sem exigir uma contrapartida, veremos crescer um sistema que já funciona muito mal”, disse. “A retomada do controle envolve muito mais que dinheiro, mas um esforço comandado pelo ministério para que se melhore a gestão e se diminua a quantidade de presos, a exemplo de outros países.”
Lava jato
O nome do novo ministro teve boa recepção pelos policiais federais. Associações de delegados e agentes se manifestaram apoiando a indicação, mas com cobranças para a crise da segurança e garantias de autonomias para a equipe que atua nas investigações relativas à Operação Lava Jato.
“Há um aspecto geral de preocupação porque é uma investigação que representa um marco para o País, então óbvio que sempre há uma preocupação de interferência. Mas pensamos que uma ação direta de um ministro o exporia demais já que o núcleo que atua na operação é fechado e inacessível. O problema pode acontecer na forma de destinação de verbas, com alguma contenção que de fato atrapalharia o funcionamento da investigação”, disse Luis Antonio Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, organização que reúne 15 mil servidores.
Boudens relatou que o deputado, enquanto membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sempre foi “muito atencioso”. O representante da categoria disse que continuará mantendo contato com o ministério buscando melhorias relativas ao formato da carreira dos policiais federais, para a qual cobram mudança na forma de entrada e organização interna. “Temos propostas de reformulação que gostaríamos que o novo ministro levasse em consideração”, disse.
Em nota pública, a Associação Nacional dos Delegados da PF – principal entidade de classe dos delegados federais – assinala que “o deputado tem como principal desafio encontrar soluções rápidas para crise de segurança pública que atinge todo o país”.
“À frente do Ministério da Justiça, Serraglio terá como principal desafio encontrar soluções para acabar com a crise generalizada de segurança pública vivida pelo país’. A Associação não cita a Operação Lava Jato, nem a Blackout – que mira os dois operadores de propinas para senadores do partido de Serraglio -, mas aproveita para reivindicar uma estrutura mais encorpada para a Polícia Federal. “Será necessário fortalecer a Polícia Federal e demais órgãos de combate ao crime organizado e à corrupção”, sugerem os delegados.
Foi a associação que, no dia 12 de fevereiro, encaminhou ao presidente Michel Temer um pedido de substituição do diretor-geral da corporação, Leandro Daiello. A entidade atribuía à gestão de Daiello a saída de delegados que integravam a força-tarefa da Lava Jato e via risco de prejuízo às investigações com a permanência do atual chefe.